O primeiro, do artista de rua Banksy, é desconcertante porque lida tematicamente com a consagração do artístico a partir de elementos fugazes, banais, tênues e frágeis, ridicularizando a crítica especializada e o milionário comércio das obras de arte, além de fraudar explicitamente as estruturas canônicas e dramatúrgicas do documentário. Em abril em Los Angeles, quando fui assistir ao ótimo filme argentino, ganhador do Oscar de melhor filme estrangeiro, "El segreto de tus Ojos", na entrada do cinema, ganhei uns posters assinados por Mr. Brainwash. Só depois vendo o filme de Bansky relacionei o artista dos posters com o personagem desse filme. E minha dúvida é se a distribuição de posters fez parte da criação do documentário, elaborando um fato após o lançamento do filme sobre o "pseudo" artista que subverte os canônes da arte, da arte de rua e do documentário clássico.
Já "Lixo Extraordinário" me pegou porque, na abertura do filme, coloca em situação artificial dois brasileiros falando em inglês sobre um lixão no RJ. O começo do filme se constrói como uma interpretação canastrona para a câmera sobre o trabalho que eles querem desenvolver com catadores de material reciclado. É irritante. Mas à medida em que Vik Muniz se envolve com os catadores, a artificialidade dá lugar a momentos pungentes e viscerais. Os catadores são fotografados e daí recompostos por eles mesmos em retratos-montagens com objetos coletados no lixão. A abertura da novela "Passione" popularizou o resultado desse procedimento estético. Uma das obras de arte vai para um leilão em Londres e é vendida por 100 mil reais; o dinheiro é revertido para a associação de catadores. Diante da recusa de uma catadora-artista em querer voltar para o lixão, no meio do filme, os condutores desse processo se perguntam sobre o efeito do que eles estão fazendo na vida dessas pessoas. Elas suportarão voltar para suas vidas ordinárias? O documentário termina como se fosse um filme "baseado em histórias reais".
O que me animou no filme, e o que me dá esperança, é pensar na arte com seu poder transformador de perspectivas e de realidades. Pra mim, como espectador que misturo o lixo por falta de coleta seletiva em SP, me reeducou a fazer uma separação dos lixos, mesmo que a coleta seletiva não funcione, o lixo pode chegar de outro jeito para quem ainda precisa viver dele nesse país desigual. O filme me joga pra dentro de uma realidade que não conhecia, e com a qual não me importava tanto, indiferente no meu universo "pequeno burguês". Me faz estremecer com essa injunção de fazer piada e de estar sempre rindo, que nos entretece como identidade nacional. O filme mostra como se desconstrói o paternalismo dos artistas que catam catadores para fazer sua boa ação social: eles são muito mais ajudados ao ajudar. O filme esgarça as questões relacionadas ao limite ético da arte e do ser honesto com a motivação artística, destrinchando suas contradições. Seu desfecho, que pode ser superficialmente tomado como piegas, redutor, ingênuo, digerível, explicativo, na verdade nos lança de volta à questão audiovisual contemporânea sobre representar, representar-se, o jogo da linguagem que simula a metalinguagem:
tudo não seria apenas interpretação, o modo como ficcionalizamos a vida para a controlarmos? a arte não seria isso de alterar contextos para melhor enxergarmos o que nos anestesia?
Acho que sim Luiz, a arte é isso de alterar contextos para tentar melhor enxergar, mas a tentativa também vira uma espécie de anestésico que nos leva de volta a essa engrenagem inalcançável que é a vida. Não vi nenhum dos dois documentários, mas o seu texto me incitou a resolver isso o quanto antes.
ResponderEliminarabraços