domingo, 28 de fevereiro de 2010

SE ACASO EU DE REPENTE MORRER...



essa história de terremoto e algumas outras possibilidades de morrer de repente me rondam a imaginação e o corpo... estou trabalhando num roteiro de curta-metragem sobre isso...

Que testamento eu gostaria de deixar pros amigos e parentes amados? 

fiquei pensando nisso hoje depois de uma conversa entre os vizinhos aqui em Venice Beach sobre o que fazer, caso um terremoto ou tsunami nos acometa: estocar pilhas, lanterna, comida enlatada e água o suficiente pra esperar por duas semanas o socorro chegar.

Eu sou discípulo de Cristo e honestamente morrer é apenas voltar pra casa, pra casa verdadeira, pra casa preparada, pro conforto, aconchego e carinho da Família que espera por mim, pra finalmente experienciar em todos os sentidos o que é amar e o que é ser amado, coisa que afetivamente é o que mais me faz falta entre minhas experiências, ao olhar pra trás. 

Eu tenho tido uma vida muito boa, graças a Deus. Sou o quarto filho de uma família de dez filhos, de pais semi-analfabetos. Sou o único que deu sorte (...não sei se sorte, mas se estiver morto, acho que vou saber...) de cursar uma universidade pública, o que mudou muito minha vida e meu rumo. 

Isso me separou da família, isso e outros detalhes, que minha morte há de revelar...  mas me separou porque pra alguns, eu fiquei mais importante, e no Brasil, em Manaus sobretudo, querer ser importante é pedir pra formarem fila pra puxar seu tapete. Bem, isso merece um outro texto, mas desconfio que isso tem a ver com o complexo de inferioridade amazônica por ser "periferia", sem nos darmos conta, que sobretudo agora, somos o centro do Planeta! 

Mas, enfim, conhecer Jaime Marcelino e Rita de Cássia da Costa Pinto e toda a turma da Aliança Bíblica Universitária (ABUB) marcou outra grande mudança pro menino criado numa Assembléia de Deus de periferia, no bairro da Glória. 

Se por uma parte, alguns na igreja constantemente me convidavam a ficar na minha insignificância, me lembro com alegria do pr. Léo, da Rosi, do Guilherme, do pr. Edmar, dentre outros com os quais estou sendo injusto, me instigando a dividir os meus talentos e dons...

A ABU me ensinou a não ter vergonha da minha pobreza, da minha religiosidade, da minha sensibilidade, e me abriu as portas pro mundo: minha missão é pensar, é fazer o melhor, é estar com Cristo e ser a manifestação dEle por onde eu andar... tudo bem, às vezes eu esqueço da minha missão...

pela ABU minhas fronteiras foram alargadas, conheci o Norte, o Centro-Oeste, o Sudeste... fiz amigos por todos os estados brasileiros e depois pelo continente sul-americano e daí, pra chegar aqui em Los Angeles, tudo foi ficando mais fácil...

...fui um dos melhores alunos da minha turma,  mudei pra Igreja Presbiteriana, e daí, quando tentaram usar meus talentos sem reconhecer minha dignidade, encontrei o Caminho da Graça, lugar mais que querido pra pessoas como eu...

Lembro do meu professor de Psicologia, o Tomé Tavares, e da professora Nereide Santiago dizendo: "esse menino vai longe...". Gente assim fala coisas que ressoam na sede de ser amado e daí, conquistar mundo vira questão de honra pra qualquer Quixote. Forcei a barra e fui pra Europa, fui pro sul da África, vim pra América do Norte, "não eu, mas a graça de Deus comigo"... era longe assim que eles pensavam que eu iria?

Eu que fui ensinado a falar português, aprendi também o francês, o inglês e o espanhol... eu que nasci com o talento pra desenhar, aprendi a pintar, a fotografar e a filmar;

eu que aprendi a escrever, aprendi a compor poemas, contos, crônicas, roteiros de cinema...

eu que consegui fazer uma graduação, também fiz mestrado e estou tentando terminar o doutorado (tomara que não morra antes disso!)...

eu que poucas vezes recebi elogio quando desesperadamente precisava me alimentar deles, aprendi a reconhecer muitas vezes o talento das pessoas e tentei nunca negar o que elas tinham de melhor...

eu falei com gente grande e gente pequena. Conheci políticos e artistas que admirava de longe, na televisão ou nas revistas...

eu experimentei praticamente de tudo o que meu coração pediu, como bem disse Salomão pra fazer no Eclesiastes... e descobri que o cinismo é a chegada dolorosa dessa estrada... 

então eu fui salvo pelo inundar da graça de Deus, do conhecimento da verdadeira Graça, do amor incondicional, da companhia inconteste de Deus, mesmo quando eu olhava pros lados, olhava pro espelho e me dizia silenciosamente: Deus tem mais o que fazer do que ficar se preocupando contigo, com teus dramazinhos, com tua insignificância. Num dia desses, ele parou o Mike Wells e o Osvaldo Paião em Manaus só pra que eu nunca mais duvidasse de que Ele gosta da companhia de uns perdidos... por que Ele fez isso comigo? sei lá, talvez Ele faça com todo mundo, de um jeito que nem sempre ouvimos e vemos...  sei que logo logo eu vou descobrir o porquê... espero não ter que esperar mais que 40 anos pra isso...

eu que passei a infância e parte da adolescência sem poder confiar em quase ninguém,  hoje conheço e sou conhecido por gente de praticamente todos os estados do Brasil e de países dos 5 continentes...

isso tudo pra mim, é ser bem-sucedido...

se eu morrer, eu sei que vou dar um abraço e um beijo de gratidão em Jesus e vou me ajoelhar e chorar muito no colo dEle, porque eu fui... honestamente, eu sei que minha vida tem sido muito boa, eu fui muito privilegiado...

"Mas pela graça de Deus sou o que sou; e a sua graça para comigo não foi vã, antes trabalhei muito mais do que todos eles; todavia não eu, mas a graça de Deus que está comigo.” (I Coríntios 15:3-10) 

esse texto do Max Lucado me ajudou muito a pensar sobre isso: http://www.kyria.com/topics/spiritualformation/biblestudyanddevotions/youreexpected.html

e tem também esse poema do Pessoa no Álvaro de Campos



Se te Queres Matar...
 


    Se te queres matar, por que não te queres matar?
    Ah, aproveita! que eu, que tanto amo a morte e a vida,
    Se ousasse matar-me, também me mataria...
    Ah, se ousares, ousa!
    De que te serve o quadro sucessivo das imagens externas
    A que chamamos o mundo?
    A cinematografia das horas representadas
    Por atores de convenções e poses determinadas,
    O circo policromo do nosso dinamismo sem fím?
    De que te serve o teu mundo interior que desconheces?
    Talvez, matando-te, o conheças finalmente...
    Talvez, acabando, comeces...
    E, de qualquer forma, se te cansa seres,
    Ah, cansa-te nobremente,
    E não cantes, como eu, a vida por bebedeira,
    Não saúdes como eu a morte em literatura!    Fazes falta? Ó sombra fútil chamada gente!
    Ninguém faz falta; não fazes falta a ninguém...
    Sem ti correrá tudo sem ti.
    Talvez seja pior para outros existires que matares-te...
    Talvez peses mais durando, que deixando de durar...
    A mágoa dos outros?... Tens remorso adiantado
    De que te chorem?
    Descansa: pouco te chorarão...
    O impulso vital apaga as lágrimas pouco a pouco,
    Quando não são de coisas nossas,
    Quando são do que acontece aos outros, sobretudo a morte,
    Porque é coisa depois da qual nada acontece aos outros...
    Primeiro é a angústia, a surpresa da vinda
    Do mistério e da falta da tua vida falada...
    Depois o horror do caixão visível e material,
    E os homens de preto que exercem a profissão de estar ali.
    Depois a família a velar, inconsolável e contando anedotas,
    Lamentando a pena de teres morrido,
    E tu mera causa ocasional daquela carpidação,
    Tu verdadeiramente morto, muito mais morto que calculas...
    Muito mais morto aqui que calculas,
    Mesmo que estejas muito mais vivo além...
    Depois a trágica retirada para o jazigo ou a cova,
    E depois o princípio da morte da tua memória.
    Há primeiro em todos um alívio
    Da tragédia um pouco maçadora de teres morrido...
    Depois a conversa aligeira-se quotidianamente,
    E a vida de todos os dias retoma o seu dia...
    Depois, lentamente esqueceste.
    Só és lembrado em duas datas, aniversariamente:
    Quando faz anos que nasceste, quando faz anos que morreste.
    Mais nada, mais nada, absolutamente mais nada.
    Duas vezes no ano pensam em ti.
    Duas vezes no ano suspiram por ti os que te amaram,
    E uma ou outra vez suspiram se por acaso se fala em ti.
    Encara-te a frio, e encara a frio o que somos...
    Se queres matar-te, mata-te...
    Não tenhas escrúpulos morais, receios de inteligência! ...
    Que escrúpulos ou receios tem a mecânica da vida?
    Que escrúpulos químicos tem o impulso que gera
    As seivas, e a circulação do sangue, e o amor?
    Que memória dos outros tem o ritmo alegre da vida?
    Ah,  pobre vaidade de carne e osso chamada homem.
    Não vês que não tens importância absolutamente nenhuma?
    És importante para ti, porque é a ti que te sentes. 
    És tudo para ti, porque para ti és o universo,
    E o próprio universo e os outros
    Satélites da tua subjetividade objetiva.
    És importante para ti porque só tu és importante para ti.  
    E se és assim, ó mito, não serão os outros assim?  
    Tens, como Hamlet, o pavor do desconhecido?
    Mas o que é conhecido?  O que é que tu conheces,
    Para que chames desconhecido a qualquer coisa em especial?
    Tens, como Falstaff, o amor gorduroso da vida?
    Se assim a amas materialmente, ama-a ainda mais materialmente,
    Torna-te parte carnal da terra e das coisas!
    Dispersa-te, sistema físico-químico
    De células noturnamente conscientes
    Pela noturna consciência da inconsciência dos corpos,
    Pelo grande cobertor não-cobrindo-nada das aparências,
    Pela relva e a erva da proliferação dos seres,
    Pela névoa atômica das coisas,
    Pelas paredes turbihonantes
    Do vácuo dinâmico do mundo...



3 comentários:

  1. Oi, Luiz. Tudo bem, querido?
    Creio que se escreveu uma mensagem para mim, esperava também uma resposta, certo? Então vou me permitir pensar junto contigo.
    1. O Ed olhou a foto de você mortinho e disse "a foto é bonita, mas porque o Luiz tá falando de morte assim?". Pois é, há muitas formas de falar da morte e você está escolhendo a sua. Só não vá de'gringo'lar, viu?
    2. Não sou bom em ser alegre, mas minha opção é pela vida e pela alegria. A lágrima tem dignidade, mas ela é um caminho fácil.A morte pode ser alegre também: a ninfa nua, ou Apolo que nos abraça.
    3. E, se me permite, há em você muita raiva, o que é bom, por que a boa raiva nos impulsiona, faz-nos ver o outro na sua pior dimensão e nos revela egoístas, duros, de língua afiada. Esse caminho também conheço. A questão é: como exercer essa raiva, essa indignação, sem perder a força da alegria, sem chorar?
    Aceite meu carinho.
    Gabriel.

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  2. Luiz,
    que coisa boa te ler. Que coisa boa ver as tuas marcas. A marca que a ABU deixa em todos nós: indelével. Que bom ver a marca do evangelho fincada no teu DNA. Que bom.
    abraço,
    romulo

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  3. Olha, gostei do seu texto, bem que poderia ser mais suscinto, mas é verdadeiro, tomado de verdade. Parabéns!!!

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