sexta-feira, 11 de março de 2011

Deus é Padrasto ou é Pai?

às voltas com a criação de um texto dramático sobre o "Filho Pródigo" e de falas que se reúnem de diferentes pontos para se ancorarem no sentido do que significa a relação entre a paternidade e o Eterno, me sinto compungido a congregar esses dizeres e fazê-los meu.


É inevitável: a materialidade de Deus passa pelas autoridades que nos constituem. Pai e mãe em primeiro, familiares, vizinhos, adultos, professores e legisladores. Todos eles são metáforas reduzidas e acabrunhadas do Pai. Deus está morto, diagnosticam. Mataram o pai que simboliza o Pai e tomam os efeitos pela causa.

Os pais estão mortos, mas aí está o deus Mercado para chamar a si essa função. Quem cuidará de suas necessidades? quem lhe afirmará? quem lhe singularizará? quem lhe sustentará? quem alimentará seus afetos, suas carências físicas e psicológicas? os produtos, certamente. E viramos todos descartáveis.

Sem pai e sem mãe, somos levados e arrastados subjetivamente para todos os lugares de deificação das coisas. O objeto é a objetivação do sujeito: eu sou aquilo que tenho, que uso, que faço, de que preciso.

Como reinscrever o Pai, seu Santo Nome em nós?

O Pai se dá como relação de afeto, senão não se dá mais. Antes a lei, agora a graça. A Lacan falta-lhe essa percepção e incorporação. Capenga-lhe a teoria. O adulto, chegamos a esse estágio como humanidade, absorve em si o pai e a mãe, os reproduz, mas deles diverge, se diferencia, conciliando o
passado e o futuro. É assim que o sujeito se faz indivíduo. Processo sem fim cuja finalidade é ser dEle, para Ele, com Ele.

O que queriam Adão e Eva e o que queremos todos nós, seres de linguagem? O eu sou tenta se fazer EU SOU. O imaginário, concreto e sensível, almeja ser Real. Álvaro de Campos o soube:

"Ah, pobre vaidade de carne e osso chamada homem.
Não vês que não tens importância absolutamente nenhuma? És importante para ti, porque é a ti que te sentes.
És tudo para ti, porque para ti és o universo,
E o próprio universo e os outros
Satélites da tua subjectividade objectiva.
És importante para ti porque só tu és importante para ti"



O Édipo não vive mais a tragédia na Graça. Ele se funde ao Pai pelo Filho. Ele ama o Pai e se entrega porque o amor do Pai no Filho o constrange. O captura numa rede de amor e desejo: "eis o meu filho amado em quem me comprazo", essa é a relação e a identidade dos filhos no Filho. A identificação é com o irmão mais velho. O Pai, seja Seu Nome santificado. Não há termo com o qual se possa compará-lo. Não há ninguém que encarne perfeitamente quem Ele é a não ser Jesus Cristo, a Contradição por Excelência, a Surpresa, a Imprevisibilidade. O Vento sopra onde quer.

A irresponsabilidade dos adultos que deveriam cuidar das crianças ou que deveriam representar o Pai nos faz ter uma idéia distorcida de quem é o Eterno. Mas Ele não é à imagem e semelhança do pastor, da mãe, do pai, dos professores, enfim, de nenhuma autoridade. Graças ao Pai!

O Pai não é mais um rival, mas assume-se como Pai-Mãe, o que nos gesta para sermos como Ele, e para que Ele entre no descanso, nos fazendo herdeiros dEle, fazendo-nos assumir seus bens e suas responsabilidades. Vem aí o Sétimo dia.

Por isso precisamos agora aprender a sermos deuses: não sem o Eterno, mas com Ele, aprendizagem impossível, se não fosse Sua ausência imaginária. Dependo dEle, para ser conforme a imagem do Seu Filho. Dependo do Filho, para ser filho. Dependo do seu DNA em mim, do seu Espírito, para ter as suas reações, os seus traços, a conexão ultra banda larga ininterrupta. Do contrário, a tragédia: mato o Pai, possuo a Mãe, e fico cego vagante. O planeta sabe disso, o caos sabe disso, a desordem descontralada sabe disso. Mas o Pai não morre. O Eterno. Ele volta e a imagem e sua concretude mentirosa se dissolverá.









2 comentários:

  1. Ainda que deus existisse e não fosse necessário suprimi-lo, não é mesmo véi Bakunin?, seria eufemisticamente um pai ausente. Deu até rima! fabrízio

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  2. um pai é sempre um substituto do PAI... este sabe estar presente e por sabê-lo mantém a devida distância pra que todos possam conhecê-lo em sua jornada individual, sem as imposições que a religião constrói e media... é extremamente inteligente e discreto em sua presença. Aprendamos com Ele!

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