Um dia eu vou ter tempo...

um dia vou ter tempo de ler todos os livros que eu comprei.. de transformar em filmes os meus melhores poemas.. os que são meus e os que deveriam ser, mas acabaram nascendo em outra fonte..

um dia vou ter tempo de dizer que amo a cada pessoa cuja memória me invade o dia e me provoca riso e lágrima... vou caçar amigos feitos na África, na Europa, nas Américas e dos quais nunca mais tive notícia.. um dia vou reencontrá-los e mandar as flores que planejei pra espantá-los e encantá-los...

um dia vou pintar os quadros que tenho rascunhados,

vou fotografar os modelos que selecionei nas ruas, nos cafés, nos bares


um dia vou organizar os papéis, as memórias, os porta-retratos, os recortes de jornais: vou ter tudo classificado

com eles vou escrever as crônicas planejadas, os poemas, os roteiros de filmes...

vou concluir a coleção de marcadores de livro com restos mortais de papéis: a uns vou mandar pra Flavinha em Brasília, a outros vou espalhá-los na França, nos EUA, em Brasília, em Manaus e São Paulo, pra ex-amigos de que ainda sinto falta: hoje já sei, a dor que fizeram é menor que a dor da ausência que deixaram...

um dia vou ter o mapa mundi imenso na parede da minha sala de estar e nele vou instalar as fotos feitas nos lugares por mim pisados... e outros restos mortais colecionados de cada lugar...

um dia eu vou conseguir reunir os meus amigos pra um sarau de verdade: eles vão levar seus poemas, suas canções, seus vinhos, e além de me fazer chorar de rir, vão me fazer rir de chorar publicando nesse ritual seus secretos dilemas

um dia vou ter minha refinaria particular de amor, de desejo, de alegria, minha igreja mais que verdadeira, meu conforto, meu sossego, minha proteção, minha âncora, sentido e razão, algo que desejei como família...

um dia