quarta-feira, 28 de julho de 2010

Uma Carta pra meus irmãos evangélicos

Fui batizado católico, mas minha avó e minha mãe se converteram ao evangelicalismo quando eu tinha 2 anos de idade numa Assembléia de Deus, em Manaus, no bairro da Boa Sorte, que depois se dividiu - aha!- e foi para o bairro da Glória e ainda hoje está lá.

E por incrível que pareça, eu tenho uma lembrança da primeira vez, com 2 anos de idade, que eu fui com minha mãe e minha vó nessa igreja da Boa Sorte: era um círculo de oração com as senhoras da igreja ajoelhadas, orando pentencostalmente em línguas estranhas. Me lembro de dois vasos de flores de plástico coloridas nas extremidades do púlpito. Dos instrumentos musicais da banda que tocava durante os hinos nos cultos, das crianças e pré-adolescentes pedindo à bênção ao pastor Ari, um negro grande e gordo, que me dava um medo danado. Ele era sargento do exército naquela época de ditadura em 1970. A imponência dele e certa dose de estupidez com a qual convivemos, minha família materna e os membros da igreja, até os meus 14 anos ajudaram a cristalizar esse medo e a ter uma imagem equivocada de quem Deus era.

Pais, pastores, professores e líderes constroem e tatuam na alma da gente uma imagem e semelhança de Deus que não é Deus! Deveriam ser mais cuidadosos com isso! 

Me lembro da irmã Débora, a esposa dele, com sua austeridade e minha mãe pedindo pra ela impor as mãos na minha cabeça, por que aos dois anos de idade, eu era um capetinha. Talvez por isso tenha me tornado esse dócil ser meloso que sou agora.


Enfim, tudo isso porque, dia 26 de julho de 2010, o Ivan Chagas ficou conversando por quase duas horas numa ligação interurbana comigo, ele em Kansas City, no meio-oeste estadunidense e eu aqui em Beverly Hills, em Los Angeles, me questionando porque e como eu ainda acreditava na história "mítica" de Jesus Cristo. Eu amo o Ivan. Ele é um desses amigos que sempre me surpreendem me fazendo rir e chorar ao mesmo tempo em longas conversas que temos pelo skype ou pelo telefone. Nossas energias batem, interagem, e nos enriquecem mutuamente, sinto isso. Ele é presente de Deus pra minha vida, apesar de não acreditar em Jesus.

Mas isso me leva, pra além dessa homenagem nesse texto, ao que quero escrever como carta pra esse grupo social no Brasil que me constituiu como sujeito e me faz significar em parte a História, e a minha história.

Graças a Deus novos luteros apareceram e a medievalização evangélica está sendo desmontada dentro do próprio discurso evangélico: aqui nos EUA tem o Philip Yancey, o Tony Campolo e no Brasil, tem o Caio Fábio d'Araújo,  caras que amo o que escrevem e o que defendem, sem papas na língua e sem subserviência (pelo menos em parte) às relações de poder institucionais evangélicas. 

eis aqui três vídeos que merecem destaque: 

Caio Fabio sobre a religiosidade: "a maioria de nós é amigo dos fariseus e odeia o pessoal com quem Jesus andava (...) nos tornamos discípulos dos fariseus e negamos o evangelho de Jesus"


Tony Campolo: Christians & Gay Rights: Do you want express love to gay people? so, say: "I will for you the same privileges and rights that I enjoy as heterosexual"

Philip Yancey: "...surpreendentemente, os indesejáveis é que são atraídos para Jesus.."
Acredito que somos presos numa rede de interpretação que ora engendra e conspira o bem quando o amor flui e nos envolve, ora engendra e conspira o mal, a dor, as doenças, quando os erros, os abusos, os desequilíbrios, a maldade, o rancor, o ódio, a culpa, a injustiça fluem e nos envolvem. 

O Caio centra isso no indivíduo. Eu penso essa captura, filiado no entremeio da Análise de Discurso Materialista e desse discurso re-reformador, nas redes sociais nas quais um sujeito se constitui em indivíduo. 

Penso na implicação terapêutica e interpretativa pras religiões, pra educação e pras Ciências Humanas: não tem como acabar com ou diminuir a violência ou certas doenças numa sociedade se não houver esse contra-ataque de amor, de perdão, de doação resignada. Como escrevi pra minha amiga Mara Guerra, o papel dos cristãos é crucial no serviço, mas a gente se preocupa mais com a arrogante superioridade moral, o mesmo erro de Israel como nação sacerdotal escolhida por YHVH e sua síndrome de superioridade moral e racial. 

Se o ambiente que cerca uma comunidade não for re-configurado por um grupo de indivíduos que engendrem e conspirem o amor e o serviço, não há como curar nenhum mal ou melhorar nenhuma sociedade, ou seja, não há como fazer vir o reino de Deus.
No evangelho de Jesus se vive a Encarnação: aquele que é, vai até aqueles que não são, ama-os até a morte, mesmo que eles ignorem isso, para que eles sejam e participem da festa. 
No evangelho de Jesus, se lava os pés, inclusive dos que negam a amizade que têm com você, inclusive dos covardes que não têm coragem de assumir que andam com você, inclusive dos que lhe traíram. Um dia, vou ser capaz disso, eu sei, nEle. Mas esse blog é pra lavar a sujeira dos pés (será que só os pés?) da igreja evangélica que, em sua caminhada, se perdeu do Caminho e anda se sujando cada vez mais distante de onde tudo começou e onde tudo deve terminar. 
A igreja deve lutar para que aqueles privilégios que ela tem e que historicamente só se tornaram privilégio da maioria por causa dela, passe a ser privilégio de quem não tem.
Sejam gays, que têm direito à parceria civil. Sejam mendigos, que têm direito à alimentação, moradia e trabalho, se assim quiserem. Sejam menores de rua, sejam desempregados, sejam loucos, velhos, crianças, sejam presidiários ou favelados, sejam minorias raciais ou continentes inteiros. 

A igreja precisa servir e amar à sociedade e parar de ser conivente com o tráfico de drogas, com os abusos de poder, com a corrupção e com tudo o que gera violência e falta de privilégios para TODOS em qualquer que seja a sociedade. Inclusive dentro de seus templos e congregações.

Nessa época de eleição, "irmão" não deveria votar em "irmão". Deveria votar em profetas que defendem o direito do órfão e da viúva, sejam eles da religião, partido, ou bandeira que for, mas que têm a coragem de falar o que a maioria não quer ouvir, de mostrar o que a maioria não quer ver, de ser Jesus no aqui-agora da vida.

7 comentários:

  1. querido Luiz sua historia parece com milhares de filhos de igrejas...e penso será que teremos jeito...são tantas inquietações que nos impele a falar que muitas vezes somos mal interpretados....pq fomos catequizados a não pensar pq se pensar caimos em si como diz o poeta....mas mano seguimos em frente nesta busca da liberdade deste evangelho mal trapilho como fala Feliphe....vamos no caminho buscando abençoar amigos e inimigos como o mestre dos mestres fazia...bjus...Mara Guerra

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  2. Meu irmão,
    Permita-me DISCORDAR de seu texto. Tenho o imenso prazer de ver você escrevendo tão bem e conquistando tudo o que você sonhou ser um dia, mais não posso concordar com o que li aqui, ainda mais sobre alguns fatos:
    A Igreja ficava no Bairro da Matinha, na Rua Boa Sorte e talvez sua pouca idade na época não te fez lembrar isso. O Pastor Ari, o “negro grande e gordo” foi o primeiro Homem de Deus que conheci e era mesmo sargento do exército, mas nós nem sabíamos o que era ditadura na época e, graças a Deus, nunca vi aquele homem, que você esqueceu de dizer que era doente do coração mas que nunca deixou de fazer a Obra e a Vontade de Deus por isso, usou sua patente para amedrontar, tirar partido ou vantagem disso. Saiu mesmo de um Templo lá na Rua Boa Sorte para a garagem da Irª Péta, lá na Rua Sul América, pois tinha um chamado maior para sua vida, para, junto com algumas pessoas como nossa Vó e Mãe fundarem a Igreja Ass. De Deus do Brasil. O que você esqueceu também, talvez por não lembrar e que este homem morreu na construção da laje da igreja, que ainda existe em um terreno ao lado da antiga garagem, quando ele mesmo residia em uma casa de madeira e alugada lá no Bairro do Santo Antonio, pois nunca ganhou e nem cobrou nenhum salário da igreja que fundou, pois vivia da aposentadoria de exército e seu carro era um “caravam” com mais de dez anos de uso. Sua esposa, a Irª Débora ainda vive naquela casa, que agora é de alvenaria e foi adquirida por suas filhas e genros, e ainda continua uma Mulher de oração e deve ainda orar por você e por mim e por tantas pessoas que passaram por aquela igreja. Na verdade meu irmão ali eu encontrei Deus, eu conheci o Senhor Jesus, ali eu aprendi a ler a Bíblia, ali eu aprendi a ser gente e comecei a experimentar o que Deus pode fazer na vida do homem e é pena que nós dois, irmãos, com apenas um ano de diferença de idade, que vivemos as mesmas experiências e tenhamos um sentimento tão diferente das coisas. Quem está certo? Quem está errado? Não sou dono da verdade, mas creio que você somente se equivocou e ao tentar passar suas idéias apresentou e nominou pessoas que possuem uma linda história na Obra de Deus. Que Deus te abençoe... Reginaldo

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  3. Naldo, essa história foi publicada um dia nos púlpitos do bairro da Glória e não há porque negar o sentido que ela fez em mim, doa o que doer. Doa a quem doer. A Bíblia não esconde a podridão de seus personagens. Por que eu esconderia a dos meus? nao acho que a historia seja tao linda assim nao. Houve muito abuso emocional que passou como vontade de Deus e que mais afastou gente do verdadeiro evangelho que aproximou. Nosso conceito de homem de Deus de fato é extremamente diferente: homem de Deus é homem que é Jesus Cristo no aqui-agora da existência. Se eu não vir no cabra o que vejo em Jesus nos evangelhos, digo sem dúvida que não é homem de Deus. Jesus é quem Deus é e quem o homem deveria ser. Quer saber como um homem de Deus lida com o poder, com traidores, com os amigos, com os "discípulos" e com fariseus arrogantes? vê como Jesus lidou, se não for parecido, não é de Deus! é preciso saber o que significa encarnação e lavar os pés dos outros, amar como Ele amou: até a morte e sem medo de confrontar as pessoas com as mentiras que elas mimam nelas. Jesus é a varonilidade perfeita para a qual fomos chamados. Esqueceste de que esse "homem de Deus" parava as pregações legalistas dele pra bater nas criancas com aquele cabo de vassoura? que era violento com os jovens em atitudes e grosserias nem próximas do que Jesus Cristo faria, mas que fariseus fariam? que expulsava os "pecadores" do reinado dele? vejo pouco mérito no que fizeram, pq houve um equívoco: essa "obra de Deus" era obra pra alguns deuses, alguns deles mesmos, como se alguns deles fossem uma realeza e os outros membros seus súditos. Esqueceste como alguns deles tratavam a gente? Quantos foram servos? me lembro agora de uma viagem pra Parintins, que todo mundo tinha que limpar a sujeira no barco, menos a "elite". Nem de longe o que Jesus faria! Digo sem medo de errar que alguns deles afastaram mais gente de conhecer a Jesus de verdade do que aproximaram e lamento muito por isso, e dou hj minha vida pra desfazer esses equívocos de que eu e tantos mais que sei que estão hj longe da intimidade com Deus fomos vítimas. Qtas pessoas da nossa época amam a Deus mais do que têm pavor dEle? pra quantas delas o Evangelho é um fardo leve e um jugo suave? quantas entendem no seu ser o que é viver o verdadeiro Evangelho da graça? levou tempo, mas hj sei que conheço o verdadeiro evangelho e isso é pro resto da vida! graças ao meu Deus as imagens e semelhanças de Deus que não eram e não são Deus estão sendo destruídas na minha vida.. e por causa de alguns deles e de tantos outros fariseus evangélicos, isso tem sido um processo lento e doloroso..

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  4. lê o que Paulo diz na carta aos Gálatas! Anátema! [CENSURADO] pq se nao fosse por eles eu jamais hj em dia chamaria evangélico de irmão...De fato, minha percepção da história é a percepção de quem foi rejeitado, dentro da família e dentro da igreja, e hj sei o porquê disso e me alegro: se fosse pra sofrer tudo o que sofri e ser quem eu sou hj, escolheria voltar e viver a mesma historia se isso fosse possível, mas com a convicção interior que eu sou quem sei que sou hj, nao no que me fizeram acreditar que eu era, dentro da familia e dentro da igreja. No meu blog, deves ter lido isso tb: http://lucamartins.blogspot.com/2010_04_01_archive.html
    e isso http://lucamartins.blogspot.com/2010_02_01_archive.html Te aconselho a ler os livros e ver os vídeos no youtube do Philip Yancey, do Toni Campolo, do Caio Fábio: esses pra mim são homens de Deus hj, como poucos que vejo por aí se arrogando abominavelmente o título de reverendo, apóstolo, patriarca, pastor, que querem ser servidos e não querem servir, lavar os pés, se humilhar para aqueles que aparentemente são indignos deles. Meu objetivo na vida é ser Jesus onde quer que eu for, onde quer que eu estiver, pra quem quer que eu seja. Isso só é possível com Ele, nEle, interminavelmente, a cada segundo. Um dia, eu sei que Ele vai ser o meu corpo e a minha mente.. mas Ele sabe que isso é um processo, com dias de avanço e dias de retrocesso, nem por isso Ele deixa de estar comigo: graça!

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  5. Cara vc é o cara.

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  7. Infelizmente esse processo de construção religiosa, é feita de forma equivocada tanto nas igrejas evangélicas quanto na católica. E uma vez tatuado esse conhecimento em nossa mente, moral e atitudes podem até nos levar a intimidade com Deus, no entanto essa intimidade é desconfortante por que a qualquer gesto ou atitude diferente dos ensinamentos que tivemos nos levam a criar a imagem de um Deus distante, que nos oprime, castiga, e há aqueles que dizem que até nos amaldiçoa, quando essa "verdade" é arma daqueles que querem se sentir Deuses e acreditam que realmente estão fazendo o bem a humanidade.
    Com toda certeza Deus personificado na imagem de seu filho Jesus, pregou a liberdade e o amor, todos os homens são livres e capazes de escolher qual o melhor caminho, tudo o que Ele nos pede: Amar, Servir e Levar a Boa Nova, mas que sejamos verdadeiros e não hipócritas como os fariseus, que praticam a imoralidade por de baixo dos panos e depois cobram do povo os bons costumes e à moral.
    Não sou evangélica, e sim católica e posso dizer que esses fariseus estão por toda parte, criando em nós tatuagens que não nos levam ao caminho da salvação, mas que provavelmente nos levam pelo caminho da perdição. É uma pena que os dirigentes das igrejas ainda não compreenderam o verdadeiro sentido da vinda de Jesus ao nosso meio, sua mensagem não foi o dinheiro ou poder, e sim a humildade e o AMOR ao próximo independente de classe social ou raça, quem sabe um dia desses a humanidade abra os olhos e tenha coragem de seguir o exemplo de Jesus sem temer a represália daqueles que desconhecem o verdadeiro sentido das palavras de Cristo. Nurian

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